Com apenas dois dias de tramitação, a Justiça concedeu tutela de urgência para autorizar o início de tratamento de fertilização in vitro com flexibilização da Resolução 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina – CFM, para afastar a obrigatoriedade de o doador ser uma pessoa anônima. O caso diz respeito a um casal de mulheres que deseja realizar o procedimento com o material genético de um amigo. A decisão favorável é da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo.
O casal buscava realização de seu projeto parental pelo método da Recepção de Óvulos da Parceira – ROPA, em que uma fornece os óvulos e a outra engravida. O desejo inicial de ambas sempre foi contar com um doador conhecido, porém elas foram informadas pela clínica de reprodução assistida acerca da impossibilidade, pela regra do anonimato prevista nas resoluções do CFM – à exceção de doação por parente consanguíneo.
Por alguns meses, elas procuraram por doadores, tanto em bancos nacionais como estrangeiros. Também não havia, entre seus familiares, nenhum candidato que realmente compreendesse o conceito da doação. Inconformadas com a impossibilidade de contarem com a doação de um amigo, elas resolveram submeter a questão ao Poder Judiciário.
O feito foi ajuizado em 18 de maio e, em dois dias de tramitação, foi concedida a tutela de urgência para autorizar o início de todos os procedimentos necessários para coleta e análise dos gametas dos envolvidos. A decisão considera o risco de perecimento do direito, em razão da idade das partes, ambas próximas aos 40 anos, e outras peculiaridades do quadro médico do casal, como baixa reserva ovariana e mioma em crescimento.
Proibição é desprovida de embasamento legal
A juíza Rosana Ferri, responsável pelo caso, argumentou que o inciso II do artigo 5° da Constituição Federal afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Para ela, a proibição ao doador conhecido é desprovida de embasamento legal: “Afigura-se inconstitucional – especialmente em cotejo com a autorização de doação por parentes consanguíneos de até quarto grau desde que não implique em consanguinidade –, por violar o princípio da legalidade.”
A ação foi patrocinada pela advogada Ana Carolina dos Santos Mendonça, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ela diz que “a decisão é um excelente precedente para todas as famílias, permitindo, assim, que outras famílias ectogenéticas possam livremente exercer o direito ao seu planejamento familiar”. Ela conclui: “Avança o Direito e todas as famílias, em suas mais diversas formações”.
“O destaque da magistrada em relação à ausência de embasamento legal tem total pertinência. Como é de conhecimento comum, não temos nenhum tipo de legislação acerca dessa temática. Todas as regras existentes relacionadas à reprodução humana assistida são das seis resoluções do Conselho Federal de Medicina publicadas até hoje”, pontua.
A advogada acrescenta que a primeira resolução, de 1992, trouxe a determinação de doador anônimo, o que foi repetido nas demais, incluindo a mais recente, Resolução 2.294/2021. “Tem-se como certo que essas normas são deontológicas e vinculam tão somente a conduta ética-médica, não podendo se estender para impedir que um casal exerça seu direito ao livre planejamento familiar, principalmente em atenção ao princípio da autonomia privada.”
“O doador no caso não tem nenhum tipo de óbice quanto à doação pretendida. Não haveria, então, por que se exigir um anonimato que nem mesmo ele faz questão que exista. Assim, em prestígio aos princípios da autonomia privada e do livre planejamento familiar e à falta de legislação impeditiva, considero como extremamente acertada a decisão da juíza”, conclui Ana Carolina.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.
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