Desde que se popularizou por meio de aplicativos de paquera, o relacionamento sugar tem sido tema de discussão no meio social. Esse tipo de relacionamento, cuja dinâmica envolve uma pessoa, em geral mais velha, que fornece apoio financeiro e presentes para alguém mais jovem, em troca de companhia, levanta questões sobre legalidade e suas implicações jurídicas.
Sugar, em inglês, refere-se aos sugar daddies, sugar mommas e sugar babies. Essas expressões da língua inglesa, que não possuem um correspondente em português, foram cunhadas nos Estados Unidos e designam as relações formadas por uma pessoa mais velha (os sugar daddies e as sugar mommas) com outra mais nova (os sugar babies). Além disso, tais relações são baseadas em benefícios financeiros preestabelecidos que podem envolver viagens, presentes e itens de luxo.
Nos Estados Unidos, esse tipo de relacionamento se tornou comum por meio de redes sociais específicas que conectam daddies e mommas aos babies. No Brasil, a chegada do formato seguiu o mesmo caminho, ou seja, por meio de aplicativos de celular.
“Esse tipo de relacionamento tem surgido no cotidiano da advocacia familiarista, mas não existe legislação específica sobre ele”, explica a advogada Marília Pedroso Xavier, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. “Trata-se de uma modalidade de relacionamento que não se confunde com nenhuma das formas de família reconhecidas pelo ordenamento jurídico”, acrescenta.
Ela esclarece que, em teoria, ele poderia ser considerado uma união estável, mas ressalta que os requisitos legais para tal não estão presentes nessa relação, como prevê o artigo 1.723 do Código Civil, que diz: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Para a advogada, o relacionamento sugar parte da lógica de prestação e contraprestação e, por isso, o debate acerca do formato deve ser no sentido de evitar que uma das partes seja explorada.
“A doutrina deve estar muito atenta a este debate, o qual deve ser feito de forma cautelosa e sempre com vistas a evitar que haja qualquer tipo de exploração de vulneráveis, subjugação das mulheres e também da retomada do débito conjugal – ideia já superada, uma vez que forçar uma pessoa a praticar relações sexuais é uma flagrante violação de direitos”, afirma.
O que diz a Psicanálise?
A psicanalista Claudia Pretti, vice-diretora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, destaca que qualquer modalidade de relacionamento tem a sua complexidade e envolve acordos preestabelecidos.
“Com a Psicanálise, Freud nos ensinou que os relacionamentos são sempre muito complexos e envolvem dificuldades, uma vez que, para que duas pessoas se relacionem, é necessário que ambas façam renúncias e abram mão da satisfação de muitos de seus impulsos”, afirma.
Segundo ela, o psicanalista austríaco afirma que os relacionamentos entre as pessoas são a maior fonte de mal-estar para o sujeito, já que coloca em cena tal paradoxo.
“O relacionamento sugar, quando conduzido da forma em que se propõe, pode ser tomado como uma escolha dos envolvidos e que, nesse sentido, teria como impactos os mesmos de qualquer outro tipo de relacionamento. Se as pessoas envolvidas conseguem se limitar a cumprir seu papel dentro do que está previsto no ‘contrato’ realizado, tudo vai bem. Cada um segue o caminho escolhido e supostamente se satisfaz com o lugar que ocupa na vida, no olhar, no amor e no erotismo do outro com quem decidiu assumir essa relação”, analisa.
Pretti avalia que as complicações podem aparecer quando um dos dois lados não suporta o lugar que lhe foi destinado, passando a querer mais do que foi inicialmente combinado. “É quando, então, emergem conflitos de todas as ordens, inclusive com impactos emocionais dos mais diversos tipos”, diz.
Fenômeno cultural e social
A psicanalista defende que o relacionamento sugar deve ser pensado como um fenômeno que tem relação com as mudanças culturais e sociais contemporâneas.
“Relacionamentos mais líquidos, como aponta Zygmunt Bauman, nos quais se presentifica uma tentativa de apagamento das diferenças; nos quais o outro é colocado em um lugar definido a partir dos interesses de seu parceiro e com uma função muito bem explicitada de satisfação de seus desejos e caprichos; nos quais o apagamento das angústias geradas pelas incertezas dos relacionamentos amorosos, assim como os investimentos que precisamos fazer para sustentá-los, são deixados de lado. Tudo isso mediado pelo dinheiro, que tem um papel importante”, afirma.
Segundo ela, a grande diferença do relacionamento sugar para um relacionamento amoroso de outra ordem é que esse lugar de objeto não é explicitado.
No entanto, ela alerta: “Temos que considerar que a autoestima e a saúde mental podem ser afetadas positiva ou negativamente de acordo com as questões sintomáticas conscientes e inconscientes de cada um. Ser o sugar daddy não necessariamente eleva ou diminui a autoestima daquele que ocupa esse lugar. E o mesmo vale para o outro lado, o sugar baby. Contudo, é preciso colocar essa questão: qual o preço que se paga ao fazer esse tipo de escolha? Será que o sujeito consegue dar conta?”.
Ela conclui que, se cada indivíduo se relaciona a partir de seus próprios interesses, é fundamental que haja autoconhecimento e consciência do lugar que se ocupa dentro do relacionamento.
“Que cada um possa fazer bom uso de sua autonomia e que possa decidir sua vida privada, levando em conta seus desejos e seus interesses. E ressalto uma pergunta que Jacques Lacan coloca e que parece servir de um bom parâmetro: ‘Você quer aquilo que deseja?’”, afirma.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.
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