Na última semana, o bebê, fruto de uma união afetiva entre três pessoas, foi registrado em um cartório de Londrina, no norte do Paraná, com três sobrenomes. O nascimento, compartilhado pelos pais nas redes sociais, acendeu debates sobre a multiparentalidade e as diferentes configurações familiares.
No caso em questão, o recém-nascido irá carregar, além do sobrenome dos genitores biológicos, o da mãe afetiva. Em entrevista ao G1, o trisal, que está junto desde setembro do ano passado, disse que não houve problema para o registro do filho.
O advogado e professor Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, explica que a possibilidade de registro de três ascendentes de primeiro grau biológicos e/ou afetivos, de modo concomitante, é reconhecida e acolhida no Direito de Família brasileiro. A multiparentalidade tem respaldo do Supremo Tribunal Federal – STF e é regulada pelos Provimentos 63 e 83 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Segundo o advogado, há casos em que é necessária a demanda perante o Poder Judiciário para a consagração do registro. Em outros, porém, desde que atendidos os requisitos estipulados pelo Conselho Nacional de Justiça, é possível o reconhecimento e o registro de uma situação multiparental pela via extrajudicial, diretamente no cartório de registro civil.
Multiparentalidade
Calderón destaca, entretanto, que ainda há o que se avançar. Os filhos de trisais, de acordo com ele, ainda não têm previsão e reconhecimento garantido no Brasil em nome dos três ascendentes, nem pela jurisprudência, nem pelos provimentos do CNJ.
“A multiparentalidade, que é consolidada e reconhecida no Direito brasileiro, em regra, envolve a cumulação de vínculos socioafetivos e biológicos. Envolve esta situação múltipla familiar que perfila vínculos genéticos, permitindo ao mesmo tempo que sejam registrados também vínculos socioafetivos”, aponta o especialista.
Calderón ressalta que o vínculo socioafetivo exige longo tempo de convivência filial para que possa então ser efetivamente registrado. “Temos que ter em vista que esta multiparentalidade tem peculiaridades, e que nem sempre vai estar adequada para a situação do trisal.”
O advogado pondera que, em casos de recém-nascidos, há dificuldade para sustentar a existência de um vínculo socioafetivo consolidado para fins de registro civil, nos termos do que entende tanto a jurisprudência como a doutrina.
Reconhecimento jurídico
Ricardo Calderón afirma que o Direito das Famílias, de certo modo, ainda resiste ao reconhecimento jurídico de relações poliafetivas. Pontua, no entanto, que parte da doutrina sustenta a possibilidade de reconhecimento de efeitos para as novas formações familiares, que estariam abarcadas pelas proteções constitucionais, com efeitos jurídicos, inclusive, para fins de filiação.
“Estamos em um momento de grandes mudanças na sociedade, com formações diferenciadas de pares afetivos. Os trisais estão entre essas configurações que demandam novas soluções do Direito. Ainda que tenhamos alguma resistência, esta situação merece acomodação e tutela diferenciada, tanto agora quanto no porvir das relações familiares”, reconhece o especialista.
Neste contexto, o advogado entende que é possível sustentar a aplicação da lógica da multiparentalidade também para o registro de filhos das novas configurações familiares. “De modo que estas pessoas poderiam sustentar o direito ao reconhecimento plural de filiação, mas teriam que, no momento atual da nossa realidade jurídica, demandar judicialmente esse reconhecimento, porque não conseguiriam o registro diretamente no cartório.”
Ele explica que os filhos dessas relações têm sido registrados com apenas dois ascendentes. “No registro formal ainda constaria um pai e uma mãe em regra, tendo em vista as permissões que existem no Direito Registral.”
“Alguns trisais estão utilizando a alternativa de incluir, ao menos no sobrenome desse filho, o patronímico dos três que perfilam na relação. Contudo, para que os três possam perfilar nos registros de nascimento dessa criança como ascendentes de primeiro grau, ainda é necessária a autorização do Poder Judiciário”, observa o especialista.
Calderón frisa a importância de “olhar para o novo com os olhos do novo”, de modo a construir as inovadoras soluções que essas situações demandam.
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família.
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